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Melhor quando se improvisa

 

    Italo Wolff

Noite de quarta-feira, Rua 7, centro de Goiânia. De trás das pichações e das fachadas históricas escondidas por outdoors vem a música sincopada e destoante. Destoante de si mesma e das lojas ao redor – Malu Calçados, Enxovais Paulista, Ricardo’s Restaurante –, escuras e fechadas com aço. O som americano da década de quarenta é a única coisa que chama atenção para a passagem, uma portinha aberta, onde um segurança espera de terno; não há pôsteres, cartazes ou anúncios.

O Complexo Estúdio é uma ilha no meio dos prédios do quarteirão que, nas noites de quarta, reúne entusiastas do jazz, hipsters, e saudosistas de uma época que não conheceram. “O que eu gosto no Jazz? Não sei. Acho que a textura da música, meio nostálgica…” diz Alice Reis, de vinte e três anos. Há dois anos, os cinco amigos que gerenciam o lugar abrem o estúdio de gravação para apresentações instrumentais e assim contribuíram para a criação de uma cena que está em ascensão em Goiânia.

Renato Cunha, o proprietário do Complexo Estúdio, afirma que se tratava de uma demanda não atendida. “Depois que começamos a fazer, abriram outros lugares na cidade para esse tipo de música e apareceram mais grupos. Começou a vir gente de fora, de Brasília; às vezes recebo e-mails de gente de outros estados. Hoje tem muita gente tocando jazz na cidade. Eu acredito que a gente ajudou a começar isso um tempo atrás.”

Em média cem pessoas vão ouvir música instrumental e autoral nas quartas feiras. Renato Cunha ressalta, entretanto, que não se trata de um pub, mas de um estúdio que abre para apresentações eventualmente. Na sala coberta de isolamento acústico onde a banda se apresenta, a plateia se aperta e mostra familiaridade com o gênero, interagindo com os artistas, dançando e adivinhando o nome dos clássicos.

“Eu acho que todo mundo que está aqui é insatisfeito com o tipo de música hegemônica na cidade”, diz Pedro Hoffman, “essa cena é até uma questão de mercado”. Renato Cunha diz, entretanto, que começou a realizar os eventos por gosto pessoal. “Eu frequentava o jazz no Cine Ouro, no Glória, e tinha saudade dessa época porque esse tipo de música acabou na cidade durante um tempo.” E o que leva alguém a gostar de um estilo tecnicamente especializado, com ritmos sincopados e harmonias complexas?

Renato Veríssimo, guitarrista, professor e integrante de uma banda de jazz afirma que “o jazz já não é mais um gênero popular. O gosto está ligado à criação musical que se recebe dos pais, ou ao estudo da música. Você pode estudar até o ponto de se interessar por jazz, porque assim se compreende muitas coisas, musicalmente. É um gênero que une vários gêneros: soul, blues, bossa nova, choro.  Mas não se assimila tão rápido quanto rock ou pop; você precisa de um canal.”

Dessa forma, o Goyaz Festival certamente serviu como canal para introduzir o público goianiense ao jazz. Há sete anos um dos maiores festivais do país traz músicos nacionais e internacionais de renome, como Eumir Deodato, Toninho Horta, Guinga, Nicolas Krassik, entre outros. Além dos festivais, tem aumentado a quantidade de restaurantes, bares e cafés em Goiânia que dedicam pelo menos um dia da semana ao gênero tem aumentado, de hotéis de luxo a pubs.

“É um movimento que tem potencial” diz Veríssimo. “A cena em goiana está maior do que nunca; do lado dos músicos tem pessoas querendo e do público também.” Renato Cunha diz sobre o momento: “hoje, na cidade, você vai encontrar música instrumental de quarta até domingo. Acho bacana e espero que não seja uma onda passageira. Tínhamos músicos incríveis que estavam tocando outros gêneros por falta de oportunidade, ou às vezes por não receber um bom cachê”.

Na madrugada de quinta, saindo do Complexo para o centro deserto, dois jovens discutem sobre o quinto grau diminuído da escala menor. “Isso dá o som característico, entendeu?” Ao fundo, dissonante do assunto da conversa, as fachadas em art dèco podem ser vistas atrás dos anúncios luminosos apagados.

¹ “A vida é muito parecida com o jazz. É melhor quando a gente improvisa”. George Gershwin

Italo Wolff é jornalista e redator da Trilha Comunicação